Crônica de uma menina assustada

10:47:00

Saudações,

Ontem li um texto no facebook que me deixou conturbada. Não foi a primeira vez - e infelizmente não será a última - que eu li aquele tipo de desabafo. Entretanto, a vida segue. Eu fui dormir tranquila como sempre, mas acordei com uma história na cabeça, e por isso estou escrevendo agora.

Eu era só uma menina.


Tinha quantos anos, 14? Por ai... Eu estava no meu momento de popularidade e ascensão modéstia a parte e eu vivia na escola. Neste dia em questão eu fui dispensada mais cedo por falta de professores - o que não era nada incomum - e fui pra casa me trocar e tomar café. Eu morava praticamente na esquina da escola, e por isso tive tempo de me aprontar antes que minha amiga, da outra sala, estivesse saindo: eu havia combinado de ir à casa dela almoçar ou fazer nada juntas, o que fazíamos sempre.


Coloquei uma bermuda e uma camiseta pois estava MUITO CALOR. Aquele calor que te queima mesmo na sombra, aquele que, se você não passa um protetor solar, vai parecer um carvão tostado na próxima esquina - mesmo com protetor eu me queimei naquele calor. Era justo, então, que eu vestisse uma roupa leve, certo?
Errado.
Desci para a porta da escola e esperei sob aquele sol escaldante. Minha amiga saiu e nós descemos o morro, acompanhadas de alguns amigos - todos, é claro, uniformizados, exceto eu. Conversávamos normalmente como adolescentes saindo da escola. Não fazíamos algazarra; não corríamos; não estávamos quebrando nada e nem incomodando ninguém: só andávamos enquanto conversávamos.
Ouvi o barulho de um carro se aproximando devagar. Aparentemente o carro estava andando do nosso lado, então me virei para ver. Era uma viatura da Ronda Escolar e havia dois policiais lá dentro. O que dirigia me olhou de uma maneira tão... ai, não sei nem explicar direito. Ele me olhou com nojo, repugnância, raiva.
Ele nos cumprimentou com um "bom dia" seco, olhando para os meus amigos agora. O carro andava lentamente, acompanhando nosso passo. Ele não pediu para que parássemos e nem nada. Mas disse, olhando para mim "O que você tá fazendo essa hora fora da escola, sua putinha?". Como pode imaginar, aquela pergunta me assustou. Expliquei que fui dispensada mais cedo da aula e tudo o mais, e então ele praticamente rosnou pra mim, me olhando de cima a baixo com aquele olhar repugnante de homem safado. Eu não me lembro com exatidão quais palavras ele usou pra mim naquele dia, mas me lembro dos muitos "putinha" e "vadia". Eu não tô exagerando. Na verdade, gostaria de estar. Lembro-me de que o que ele me disse, mais ou menos, foi que, da próxima vez que me visse cabulando aula (!!!) eu ia ver só. Me disse seu nome, e que se eu estivesse achando ruim poderia procurar por ele. Finalmente, arrancou com o carro para longe de mim.

Eu era só uma menina. Sem aula por falta de professores. Com roupas curtas por causa do calor. Alegre por estar com meus amigos. E estava errada por...? Por nada. Não havia nada de errado no que eu estava fazendo. E, no entanto, tive que engolir o que aquele policial estava dizendo de mim.

Muito tempo depois, soube que aquele policial era corrupto - que surpresa! - e que ele havia sido afastado várias vezes, mas que sempre havia espaço para ele na Ronda Escolar (provavelmente ele se divertia muito assustando crianças). Até hoje essa história me deixa apavorada. Na época, eu não entendia direito o que tinha acontecido ali. Era algum tipo de perseguição por eu ser um ser mágico e maravilhoso? Rs. Não, é óbvio que não. Os outros meninos, do outro lado da rua, que estavam cabulando, andavam tranquilos. E eu estava morrendo de medo.

Espero o dia que nenhuma mulher tenha que ser insultada - ou coisa pior - por causa de suas roupas ou seja lá o motivo.

Atenciosamente,
A.

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